"Catraca" na Internet

Projeto de lei em tramitação quer bloquear o acesso de menores de 18 anos a conteúdo "inadequado" na web através de um Cadastro Nacional de Acesso à Internet
A internet é um território livre, com conteúdo diverso e frequentado por pessoas de todas as idades. Aos pais, compete recomendar e restringir o acesso de crianças e adolescentes a conteúdo que considera impróprio ou inadequado. Essa é a opinião do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), que emitiu nota, no final de outubro, posicionando-se sobre o projeto de lei do deputado federal Pastor Franklin (PP-MG) que propõe a criação de um Cadastro Nacional de Acesso à Internet. O objetivo é proibir o acesso de crianças e adolescentes a sites com conteúdo considerado inadequado. O PL 2390/2015 encontra-se na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI).
Se aprovado, o projeto vai alterar a lei 8.069/1990 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) incluindo um artigo que institui o Cadastro Nacional de Acesso à Internet. Esse cadastro conteria o registro de todos os usuários de internet do Brasil com dados como nome, endereço, número do documento de identidade e número de registro no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas. Dessa forma, o usuário fica obrigado a se identificar a cada nova conexão à internet, sendo que o acesso só é liberado a quem consta no cadastro. Caso ele seja menor de 18 anos, o acesso a sites com conteúdo inadequado é bloqueado automaticamente.
Fica a cargo dos provedores de informação na internet (sites de qualquer tipo) informar que o seu conteúdo deve ser vedado a menores de idade, sob pena de multa de R$ 1 mil a R$ 3 mil, dobrada em caso de reincidência. Os fornecedores de terminais de acesso à internet, como computadores e aparelhos de telefonia móveis, ficam também obrigados a comercializar aparelhos com um aplicativo embarcado que permita a inscrição do usuário no Cadastro Nacional, autentique o usuário e bloqueie conteúdo inadequado a menores de 18 anos.
O PL abriu discussão a respeito da responsabilidade sobre o conteúdo acessado via internet por crianças e adolescentes. Mãe de Glória, de sete anos, a advogada Dagmar Maciel não permite acesso da filha à internet e instala ela mesma os aplicativos no tablet da menina. E só os que considerar adequados. Para a advogada, cabe aos pais saber que conteúdo é apropriado à educação dos filhos, pois outras pessoas podem não ter a mesma opinião. Porém, isso exige que os pais sejam presentes integralmente na educação dos filhos, o que nem sempre acontece. "A princípio, acho que seriam os pais os responsáveis pelos filhos, mas como infelizmente nem todos os pais são presentes, isso abre uma lacuna. O problema seria quais sites o Estado (com o Cadastro Nacional de Acesso à Internet) vai consentir. Cada família deveria restringir o que o filho pode ou não ver."
Luiz Carlos da Costa, bancário, faz um paralelo do projeto de lei com a classificação indicativa dos filmes. "Havendo esse paralelo, (o projeto) é algo bem-vindo mas, da mesma maneira, um filme que o governo escolhe ser adequado ou não acaba sendo uma imposição. O que vai dizer se o conteúdo apropriado ou não é subjetivo."
Pai de Luiza, de 13 anos, o bancário conta que faz o controle do que a filha acessa na internet através do histórico de sua conta. "Eu, como pai, sei o que pode influenciar minha filha positivamente ou negativamente. Existem filmes que são classificação para 14 anos que, devido à maturidade dela, eu acabo julgando adequado." Para pais que não têm a capacidade de fazer esse tipo de análise, no entanto, um sistema como o proposto pelo PL pode ser bem-vindo, frisa Costa.
Proposta
Em sua justificativa, o pastor Franklin argumenta que, "embora o mundo digital ofereça perspectivas promissoras para os cidadãos, do mundo digital também emergem novas ameaças para a população, sobretudo para o público jovem". Como exemplos, ele cita "indivíduos inescrupulosos que se aproveitam da boa fé de crianças e adolescentes para cometer crimes por meio da internet" e "a proliferação de sítios na internet com temáticas inadequadas ao público infantil sem qualquer restrição de acesso, expondo crianças a conteúdos de violência, sexo e nudez".
Para o deputado federal, as medidas propostas garantem o cumprimento do princípio constitucional do respeito aos valores éticos da pessoas e da família nos meios de comunicação social e contribuem para "a boa formação do caráter" dos jovens.
Proposta contraria dispositivos legais, diz CGI.br
O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) emitiu uma nota pública no final de outubro demonstrando preocupação com o projeto de lei de autoria do pastor Franklin. Bruno Bioni, assessor jurídico do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), do CGI.br, opina que a proposta funciona como uma "catraca" na internet para impedir que menores de 18 anos tenham acesso a determinado conteúdo. "O problema é que (segundo a proposta) a quem compete classificar o que é ou não inadequado seriam os provedores. Está no ECA e na Constituição que quem deve decidir qual tipo de conteúdo é próprio para crianças e adolescentes são os próprios pais."
Para Bioni, há o risco de que conteúdo relacionado à educação sexual, por exemplo, também seja impedido para menores de idade. "Conteúdo importante para o processo educacional pode ficar de fora por ser julgado inapropriado." Softwares de controle parental, para o CGI.br, já existem no mercado com o objetivo de auxiliar pais a fazerem esse tipo de controle, sem tirar deles a autonomia sobre a educação dos filhos. O uso desse tipo de software está previsto no Marco Civil da Internet (MCI) e o papel dos pais de protagonistas do processo educacional faz parte do livre planejamento familiar assegurado pela Constituição Federal, continua a entidade.
A obrigatoriedade de comercialização de terminais de acesso à internet com aplicativo de controle embarcado também traz ônus à indústria, diz o CGI.br. "Logicamente, isso traz custo para toda a indústria, o que será repassado ao consumidor, dificultando a universalização da conectividade", declara o assessor jurídico do NIC.br. A criação do Cadastro resultaria, ainda, na geração de uma base de dados "gigantesca", aumentando a complexidade da operação de provedores de internet; e implicaria na coleta massiva de dados dos usuários, contrariando dispositivos do Marco Civil que visam garantir a proteção à privacidade na web.
Voto contrário
Em voto contrário ao projeto de lei, o deputado André Figueiredo (PDT-CE) argumentou que a proposta "não observa os preceitos constitucionais de garantia de direitos individuais, além de afrontar os princípios da legislação vigente", e "incorpora uma complexidade a mais na garantia da proteção da privacidade e dos dados pessoais". Para ele, a falta de definição, no projeto, do que é "conteúdo inadequado ou impróprio" é preocupante e abre precedentes para que a própria administração pública – a quem compete manter e atualizar o Cadastro Nacional de Acesso à Internet – defina esse conceito de maneira "discricionária".(M.F.C.)