Muito tem se falado acerca do Blockchain desde a explosão do Bitcoin no mundo, aproximadamente em 2011. Basicamente, o Blockchain registra em blocos as transações feitas com bitcoins na Internet e apesar do artigo que explica a criptomoeda ter sido lançado em 2009, o Blockchain só virou arroz com feijão depois da publicação de um artigo da pesquisadora de Harvard, Primavera de Fillipi, na Wired, em 2014. A partir daí, quando o conhecimento e entendimento sobre a plataforma que dá suporte às criptomoedas foi aumentando, a coisa começou a acontecer rápido e hoje até empresas mais conservadoras, como a Microsoft e a Nasdaq, estão implementando o blockchain como serviço ou plataforma para testes em inovação.
Mas como funciona o Blockchain?
Como disse antes, o BlockChain é o sistema de registros das transações que ocorrem hoje em Bitcoins. O modo como ele funciona é completamente diferente do modo que lidamos com a Web hoje porque, primeiramente, trata-se de um sistema que depende de consenso descentralizado. É basicamente um banco de dados que marca as transações a partir de inputs de uma cadeia “concordante” de registros.
Basicamente, funciona assim: quando uma transação se realiza, participam dela 1: o “fornecedor”, o 2.”recebedor” e a “marca” da transação. Os três formam estruturas em tríades (árvores) - o paradigma da árvore de Merkle, emprestado da Criptografia, - e essas árvores se recombinam com as árevores anteriores ao serem incorporadas à cadeia de blocos do ecossistema, isso quando a validade da transação é confirmada pelos participantes da cadeia de consenso descentralizada. Pra simplificar, um exemplo:
Yaso passa Bitcoins pra Maria, digamos.
Maria atesta que deve receber os Bitcoins
Informação é distribuída para os nós da rede do Bitcoin, que confirmam a transação,
A informação é incorporada na cadeia de blocos, combinada com a informação anterior sobre os mesmos Bitcoins - aqui o que não deixa transferir o “mesmo Bitcoin” duas vezes ao mesmo tempo. Cada transação fica “marcada”, indicando quem deu, quem recebeu, quanto e quando. É impossível falsificar, como se faz com notas, que pra duplicar basta imprimir igualzinho à moeda impressa pela casa da moeda.
Como eu disse, o Block Chain depende de consenso descentralizado, que quebra o velho paradigma de instituições centralizadas (banco, etc) validando a informação. Esse modelo de guarda de dados parte para o uso de protocolos que descentralizam a validação baseando o “ok” final no consenso da rede conectada à plataforma. Cada bloco contém uma “hash”, que é uma fingerprint, fruto da criptografia aplicada.
O Bitcoin em si é um ecossistema que é suportado pelas funcionalidades da Criptografia moderna e do Block Chain. Existem várias aplicações sendo construídas que também se utilizam do mesmo paradigma para construir suas funcionalidades, se apoiando na maneira descentralizada de funcionadas. Claro, o BTC lançou atenção sobre o que se poderia fazer digitalizando o sistema financeiro, mas isso só acendeu o pavio do que virá a seguir.
Se você quer saber mais sobre sistema financeiro tem um curso na Khan Academy, em inglês, sobre Sistema Bancário e Finanças. Vale a pena. Se seu interesse for só BitCoin, o ITS tem um curso pra quem quer entender melhor. Também vale o esforço. Porém eu recomendo registrar uma wallet no BlockChain e comprar criptomoedas como melhor aprendizado. Em São Paulo se pode trocar ouro por Bitcoins, e a partir daí você pode trocar por outras moedas virtuais, mas também há a opção de comprar com cartão de crédito ou dinheiro. Usando é possível entender como isso tudo funciona.
O Blockchain é Web?
Muita gente me faz essa pergunta e eu sempre respondo que pode ser. Pra explicar, vou usar o Projeto Maelstrom, da BitTorrent, que é um navegador de torrents via p2p que vai permitir que o usuário lance seu site em torrent, e hospede… no computador dos peers da rede! Imagine você fazendo requests http via torrent e vice-cersa? Então. Já tem pra download na versão beta. Falando em protocolos e descentralização, a Web se baseia principalmente no protocolo http, então é bom lembrar que pode ser feita uma combinação de protocolos pra criar uma web descentralizada. A ZeroNet, concorrente do Piratebay, é um exemplo. Falando em zeroNet, um monte de video tutoriais interessantes no youtube pra quem tiver interesse. Aliás o PirateBay anunciou ano passado que ia lançar um navegador de torrents também. E por fim, porque falei de protocolos e descentralização, tem a Linked Data Platform, que é padrão do W3C. Pra quem tem imaginação e skills web, também é uma chance de construir a Web Descentralizada (mas nao tem nada a ver com o Blockchain).
Antes de ler artigos por aí e sair achando que o Block Chain é um sítio Web, tenha em mente que é um registro de transações que depende de consenso descentralizado e criptografia. Isso pode ser base pra muita coisa.
Tá. Entendido pra que serve, como se popularizou e pra que tem sido utilizado, agora é hora de se perguntar pra que o BlockChain pode ser utilizado fora do setor financeiro.
Pra que pode servir?
Imogen Heap, uma artista britânica que compõe hackeando tecnologia, sacou a do blockchain e colocou seu o album novo no Ujo, uma plataforma baseada no Ethereum que pode trackear, no sentido de construir os passos, de cada valor que foi depositado pro dono da música. O álbum custa .60 Eth, que é a criptomoeda do Ethereum.
O Ethereum é uma plataforma baseada no blockchain cujo desenvolvimento resultou de uma campanha de crowdfunding que rendeu 21 milhões de doletas em 2014 pros devs cosntruírem um ecossistema completo. E eles construíram. E com base nisso já existem algumas aplicações funcionando, como o Ujo. Também usando o usando o ethereum, qualquer um pode lançar uma campanha de crowdfunding sem precisar de intermediários. Ou seja, adeus Catarse, IndieGogo, etc. Os caras estão sérios e disponibilizaram uma série de ferramentas pra quem quer mineirar ou desenvolver aplicativos usando sua plataforma. (Eu mesma comprei alguns Eth, só por precaução).
Esse tipo de sistema vai substituir o ECAD. Sabe o órgão que recolhe dinheiro por música utilizada, fica com uma (grande) parte e dá o resto pros músicos? Então. Usando plataformas como esta, os próprios músicos poderiam distribuir suas músicas. Inclusive a plataforma poderia repassar, diretamente, cada parte para cada participante em uma produção. Se uma música, por exemplo, foi escrita por alguém que mora na Zâmbia mas executada por um artista brasileiro em um estúdio inglês, cada um poderia receber diretamente do consumidor a sua parte que lhe cabe nesse nosso latifúndio.
Falando em latifúndios, outra Indústria que vai ser fortemente impactada por sistemas que usam o blockchain é a indústria do Cinema (incluo aqui publicidade). Sabe toda essa galera que fica dias no set de gravação pra sair um comercial de cerveja? Todos poderiam receber direto da Cervejaria contratante, a cada exibição e de acordo com a audiência (contando que estariam vendo o anúncio no youtube porque eu, obviamente, imagino o fim do Ibope como medição para audiência em alguns anos).
O direito autoral como um todo acaba semi-resolvido. As contendas seriam bem mais fáceis de resolver, se restringindo a provar a autoria disso e daquilo, mas o importante é que músicos, artistas, produtores, toda essa gente que hoje recebe migalhas de Itunes, Spotify e outros, poderiam receber em acordos mais justos, evitando a acumulação dos meios de produção nas mãos de apenas meia dúzia de contratantes. Até a Lei Rouanet vira lixo, porque tudo vai ficar transparente e rastreável, nesse sentido.
Outra área interessante a se aplicar tecnologias de BlockChain é na distribuição de benefícios sociais. O Bolsa Família, por exemplo, não dependeria mais de meia dúzia de macros na Caixa Econômica pra ser pago. Em um sistema como esse o pagamento de benefícios sociais poderia sair direto dos impostos recebidos e o Governo teria que mudar completamente sua estrutura para receber e repassar. Ops. Falando em repassar, a Receita Federal também teria que ter outras funções. Na minha cabeça a receita passa a ser um grupo de desenvolvedores sustentando uma aplicação que intermedia de modo suave o recebimento e pagamento de impostos. Isso evitaria fraudes na receita e também a sonegação de impostos (pelo menos o IR).
Falando em ICMS, um dos impostos invisíveis do Brasil e também um dos que mais sobrecarrega quem já não tem muito dinheiro, aplicações baseadas em Blockchains combinadas com aplicações em Internet das Coisas poderiam rastrear até a origem da comida que estamos comendo, e ao invés de um rótulo com as vitaminas e minerais, ou junto com ele, poderíamos ter também no rótulo informações sobre quais os fabricantes de veneno, colorantes artificiais ou/e sementes transgênicas participaram da fabricação daquele alimento. Não seria legal?
O comércio, do mesmo jeito, também sofre revoluções. Tirando a barreira que o Brasil tem de ensino e acesso à educação, aplicações como o Etsy também passam a ter que inventar um jeito melhor de ganhar intermediando, porque a opção do usuário que vende pode ser usar o blockchain e não dar nada pro intermediário*. No etsy você precisa dar um pedaço pra empresa que intermedia seu ganho com o banco, que também quer sua fatia, assim como a operadora do cartão, etc. No OpenBaazar, que é open source, o que está sendo criado é um market place que vai possibilitar um mercado descentralizado sem intermediários na Internet. Estão em versão beta e tal.
A Internet sempre foi sobre distribuição de bits. Quando esses bits podem significar os valores que usamos nas trocas ou carregar informações, não adianta pensar em centralizar porque informação é um negócio incontrolável.
Falando em incontrolável, nem tudo são flores.
Os perigos da implementação do Blockchain
Os registros em um blockchain são imutáveis. Terrível para os corruptos, que teriam que rebolar (provavelmente usar métodos antigos como dinheiro na cueca) para tirar dinheiro de onde não deveria sair, mas ao mesmo tempo, terrível também para a privacidade e direito de auto-expressão das quais gozamos hoje na vida em geral.
Imagine que você tem 16 anos, entrou bêbado em uma loja, deciciu roubar uma lata de springles, o cara do balcão te viu, chamou o guardinha, você foi parar na delegacia. Digamos que o dono do estabelecimento quis te dar uma lição (acontece) e você acaba fichado, dormindo na delegacia pra ser liberado ante fiança que sua mãe teve que pagar. Imagine que você nasceu em 2021 e o B.O. automaticamente registra no teu número no Blockchain governamental esse delito, ou seja, você vira ficha suja. Hoje após 18 anos um delito como esse seria apagado dos seus registros. Mas em 2045, quando você está concorrendo pelo cargo de CEO de uma empresa de jardinagem ecológica, você acaba perdendo porque a outra candidata não tem nenhum registro de advertência no colégio, enquanto você….
Em outras palavras, o BlockChain é ótimo pra evitar corrupção e abusos de poder, poderia ser utilizado para pagamento de funcionários públicos, prestação de contas, fazendo um opendata automático de gastos do governo e aplicação de impostos com o qual nem Rufus Pollock sonhou em seus mais ambiciosos sonhos, mas… Teríamos que ter um amadurecimento da democracia e uma profissionalização da máquina pública em TI que duvido que vai chegar até empresas tomarem conta do pedaço. Estas, e outras aplicações sobre o BlockChain, vão continuar se desenvolvendo à margem dos Big Business da Internet (menos o Google que já estpa de olho, a MS, etc etc) e quem é esperto já está de olho.
O anonimato nessas plataformas pode ser uma opção, também, desde que não sejam implementadas pelo Governo. Já temos problemas com a Receita Federal trocando nossos dados com a Serasa, aumentando ainda mais a vigilância sobre o que faz o cidadão comum, pra onde vai, como se desloca, que doença tem etc, não precisamos de um sistema de registros que, somado à Internet das Coisas, possa rastrear até com quem andamos dormindo.
Com anonimato permitido, como é um caso de alguns países (no Brasil acho que não), muitas pessoas poderiam fugir desse tipo de monitoramento governamental, podendo exercer sua liberdade normalmente em plataformas digitais. →alerta de desespero da polícia federal lendo isso, que imediatamente alegaria Silk Road, terrorismo, vandalismo, blackblock, etc etc, entre outras coisas que não são culpa “da Internet”, mas que são utilizadas como argumento para vigilância e controle do Estado. Logo, existe uma guerra acontecendo no campo das idéias e é bom também estar consciente disso.
O que muda pra quem trabalha com Web?
Pra quem trabalha com Web e trabalha com
Front e UX/UI, é bom se atentar para funcionalidades que a Web não apresenta ainda. Validações, visualizações de fluxos e as representações em grafos podem ser muito úteis pra quem vai trabalhar com serviços prestados em plataformas baseadas em ecossistemas blockchain do que são hoje.
O design, que sempre foi o diferencial para que empresas angariem usuários, pois quanto mais fácil de usar mais fácil de consumir, vai também ser crucial na era da Web Descentralizada. Designers vão ter que achar soluções que tornem o uso dessas aplicações mais fácil e suave do que nunca, apesar de sua complexidade.
Pra quem é dev, a principal mudança de se trabalhar com sistemas que rodam sobre o Blockchain é a introdução pesada dos conceitos de criptografia. Como é uma área muito especializada, o profissional que entender um básico de criptografia e protocolos vai sair na frente. Imagine Internet das Coisas + Criptomoedas espalhadas de modo a facilitar a vida de geral num futuro onde cada centavo importa (micro pagamentos)? Então. Se você ainda não começou a estudar isso, é hora de começar: o futuro não deve demorar pra chegar no Ricardo Eletro.