1. O Produção e uso de dados abertos governamentais
Dados abertos governamentais podem ter sido produzidos pelo governo:
- com o objetivo explícito de divulgação externa, visando a benefícios econômicos ou sociais mais amplos ou, então,
- para uso interno ou como subprodutos de suas próprias atividades.
- Para transparência e responsabilização, permitindo aos cidadãos entenderem como o governo trabalha.
Nos três casos, existem diferenças importantes para a divulgação e uso dos dados, que serão discutidas adiante.
Embora o valor desses dados para os usuários possa aumentar significativamente por meio da agregação de dados de outras fontes não governamentais ou ainda de dados obtidos da interação direta com usuários, esse guia focará a gestão da difusão e o uso dos dados produzidos pelos próprios órgãos de governo.
1.1 Atividades na cadeia de dados abertos governamentais
A geração e uso de dados abertos governamentais compreendem uma cadeia que, em combinações diferentes de atividades em cada caso, agrega valor aos dados para os usuários por meio da produção de informações e serviços, conforme ilustrado na Figura 1 abaixo.
Figura 1: Cadeia de possibilidades de atividades em dados abertos governamentais
Essas atividades podem ser executadas em diferentes sequências, conforme as necessidades dos usuários e as contribuições dos atores. Um mesmo ator, por exemplo, o próprio órgão produtor/publicador, poderá se responsabilizar por várias das atividades.
A partir da cadeia da Figura 1, podem-se classificar os atores de acordo com seus papéis na execução dessas atividades3.
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No que se refere a geração e disponibilização:
- produtores: coletam e produzem dados como resultado da missão da instituição;
- publicadores: organizam e preparam os dados em padrões e formatos abertos para sua publicação.
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No que se refere a atividades intermediárias:
- enriquecedores: aumentam o valor dos dados por meio da verificação, limpeza e elaboração de dados, adição de ligações ou novos dados;
- agregadores: coletam, integram e analisam dados abertos governamentais e dados de outras fontes que lhes permitem atender necessidades específicas de informações;
- valorizadores: adicionam valor, por meio de tratamento, seleção, análise e integração de dados abertos governamentais, a seus produtos e serviços; para atender necessidades específicas de seus usuários;
- distribuidores: coletam, organizam e redistribuem informações, como repositórios e portais;
- facilitadores: proveem plataformas ou ferramentas que facilitam o acesso aos dados abertos governamentais ou o uso deles;
- desenvolvedores de aplicações: constroem e distribuem aplicações para fins específicos.
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uso:
- usuários finais (organizações ou indivíduos): usam dados abertos governamentais para suas próprias atividades econômicas, sociais ou ambientais;
- órgãos do próprio governo que usam os dados e serviços dessas redes.
A análise dessa cadeia permite ao órgão produtor/publicador identificar eventuais lacunas na cadeia de intermediação, podendo fomentar ou assumir para si atividades específicas, além das atividades de produção e disponibilização dos dados.
1.2. Atores na cadeia de dados abertos governamentais
Essa classificação permite agrupar os atores em três categorias de ecossistemas, com características próprias, que requerem dos produtores e publicadores de dados abertos governamentais modos diferentes de atendimento. Tratá-los como parte de ecossistemas ao invés de atores isolados permite obter sinergias importantes na difusão e no uso de dados abertos, as quais serão discutidas adiante.
- Ecossistema de produtores e publicadores de dados abertos governamentais
- Ecossistema de intermediários de informações
- Ecossistema de usuários
Nota-se que o Governo faz parte de todos esses ecossistemas, uma vez que ele é, ao mesmo tempo, produtor e usuário de dados abertos governamentais, podendo ainda assumir diversas funções na cadeia de intermediação.
Ainda que o papel principal dos intermediários seja o de contribuir para a cadeia de valor que leva informações do produtor (órgão público) de dados abertos governamentais para o usuário final interno ou externo, é importante enfatizar que este fluxo também pode ser bidirecional e representa um recurso importante para o enriquecimento dos dados e melhorias no serviço público. Entre as possibilidades de usos em um fluxo bidirecional, temos:
- do governo, este como próprio produtor dos dados abertos governamentais ou outras agências de governo, sendo também um grande usuário das informações processadas e dos serviços prestados pelos intermediários;
- dos intermediários pelo seu contato com usuários e outras fontes de dados, validando os dados abertos governamentais e, ao mesmo tempo, contribuindo para o processo de melhoria contínua da qualidade desses dados;
- dos intermediários também gerando e coletando dados da sociedade que contribuem para informar políticas públicas e tomada de decisão do governo;
- dos intermediários que podem ainda organizar as contribuições da sociedade para as atividades de governo por meio de “crowdsourcing”;
- do governo, podendo este ser usuário de dados abertos governamentais combinados com outras informações públicas ou privadas oferecidas nos portais (comerciais) dos intermediários;
- dos intermediários, servindo de canal de comunicação com organizações sociais e atividades de advocacia social, prestação de serviços, coprodução e ouvidoria.
Além desses atores produtores, há ainda patrocinadores, agências de fomento, gestores dos processos, formadores de opinião, como educadores, consultores, divulgadores, pesquisadores e outros que contribuem para a sustentação dos processos.
Cabe aos órgãos públicos reconhecer o potencial dessas contribuições, estimular os atores e gerir a sua inclusão nos processos de gestão e prestação de serviços governamentais.
Uma decisão estratégica do produtor/publicador refere-se à sua própria participação nas atividades desta cadeia intermediária, suplementando ou complementando iniciativas dos agentes externos.
Essa participação dependerá, de um lado, da percepção de lacunas, como, por exemplo, a provisão de plataformas para tratamento e compartilhamento de dados derivados. O órgão pode também entender que os requisitos de criticidade, qualidade e segurança dos dados exigem que ele se relacione diretamente com os seus usuários finais. Nesse caso, a atividade também pode ser delegada a outro órgão ou empresa pública especializada e de alta confiabilidade.
Para interagir com esses atores, é necessário conhecer a comunidade de usuários potenciais e suas motivações e demandas específicas. Como exemplos dessas comunidades, temos:
- usuários individuais que buscam informações para uso pessoal ou para exercício de sua cidadania;
- organizações da sociedade civil, com o objetivo de prestar serviços à sociedade, realizar advocacia social etc.;
- usuários que visam contribuir para a melhoria de processos de prestação de serviços pelo governo;
- empresas ou indivíduos que usam dados abertos governamentais para seus fins comerciais;
- empresas ou indivíduos prestando serviços de dados abertos governamentais gratuitos (com motivação filantrópica ou relacionando-os com seus próprios negócios);
- outras partes do governo, usando os dados para melhorar os seus próprios serviços e pesquisas
- intermediários de informações;
- distribuidores e fornecedores de recursos de acesso e tratamento de dados.
É importante notar que não há uma separação rígida entre as categorias de usuários e intermediários, uma vez que usuários podem, ao mesmo tempo, executar atividades da rede mencionada para atender às suas próprias necessidades, como também disponibilizar seus resultados para reutilização por outros usuários e intermediários. Na realidade, ações para estimular a reutilização dos dados deverá ser um objetivo importante do órgão público promotor da rede de dados abertos. Outras ações, como garantir que os dados publicados possuam valor para os usuários ou que permitam a construção de uma relação de confiança entre o produtor/publicador e os usuários, também podem ser adotadas, uma vez que estas aumentam a sinergia na cadeia e fortalecem os relacionamentos com e entre a comunidade usuária. Nos capítulos seguintes deste guia, você encontrará mais detalhes sobre tais ações.
Do ponto de vista do governo, essas possibilidades de participação podem ser categorizadas em termos da contribuição para a geração de valor (econômico ou social) e do nível de participação de agentes externos (vide Quadro 1), com implicações importantes para a gestão do produtor/publicador, que serão tratadas adiante.
Quadro 1: Resultados do uso de dados abertos
Atividades que levem à categoria inicial de resultados “Transparência e responsabilização do governo” já são prescritas pela legislação vigente, sendo as demais resultantes de estágios de evolução mais avançados.
Ainda que devam ser atendidos indivíduos ou organizações que acessam diretamente os dados abertos governamentais de modo esporádico e pontual, para uso próprio, neste guia, merecem especial atenção os intermediários, atores que geram serviços estruturados e permanentes, uma vez que eles se constituem em parceiros importantes do Governo para complementar, ampliar e alavancar o valor social dos dados abertos governamentais.
É desejável que a estruturação da rede de valor de dados abertos governamentais leve à criação de empresas e outras organizações empreendedoras que assumam atividades em caráter permanente. Para isso devem estar baseadas em modelos de negócios sustentáveis.
Há uma grande variedade de modelos de negócio criados por esses intermediários para a prestação dos serviços da cadeia, com condições de operação e sustentação que são, em grande parte, determinadas pela motivação dos seus usuários e suas condições de uso. Podem-se classificar estas motivações de acordo com suas contribuições para a(o):
- economia, produtividade, criatividade;
- responsabilização, transparência, autonomia, cidadania, melhoria do setor público;
- engajamento cívico, cooperação, voluntariado, sociabilidade.
Os intermediários podem formar cadeias de valor mais complexas, em que, ao lado da prestação direta de serviços para a sociedade, forneçam insumos para as atividades de outros intermediários. A grande variedade de combinações nessa rede já indica as múltiplas oportunidades de engajamento da comunidade na geração de valor e criação de negócios.
Dada a relevância dos intermediários para os ecossistemas de dados abertos, os produtores/publicadores podem executar ações no sentido de fortalecerem a consciência e a confiança nos dados abertos e ainda ações para monitorarem quem são e o que fazem os intermediários. Este monitoramento não deve ter o objetivo de fiscalizar, mas o de possibilitar ao produtor/publicador aproximar-se destes intermediários, conhecer como eles utilizam os dados, colaborar com a realização de suas atividades, criar um canal aberto e eficaz de comunicação e assim melhorar continuamente a produção e publicação de dados abertos governamentais.
O resultado desse monitoramento pode então ser divulgado livremente em forma de catálogos em que constem as informações sobre os negócios gerados com dados abertos, como contatar esses negócios, qual o impacto econômico estimado gerado pelo negócio, como faturamento e número de empregos diretos, ou ainda quais são as bases de dados utilizadas. Um exemplo desse tipo de divulgação é a ferramenta IMPACT5, do governo federal norte-americano.
O Plano de Dados Abertos apresentado no “Guia de Dados Abertos” publicado pelo nic.br é um exemplo de ação para o fortalecimento da consciência e da confiança dos intermediários nos dados abertos. Nela são declarados a definição de padrões a serem seguidos, os procedimentos para a publicação e escolha de futuras publicações, além das metas estabelecidas. O plano pode conter ainda informações sobre as realizações do órgão sobre o tema ou mesmo destacar os benefícios dos dados abertos para o governo, para as empresas e para os cidadãos. Assim como qualquer plano de ação, o Plano de Dados Abertos deve ser revisto e atualizado de tempos em tempos. Exemplos como o da Cidade de Nova Iorque 7 ou o do Governo Britânico podem servir de inspirações iniciais para a construção e publicação do plano pelo órgão produtor/publicador.