3. Apropriação e uso de dados abertos governamentais

3.1 Difusão e adoção de inovação

Há áreas da administração pública com uma longa tradição na disponibilização de dados abertos, o que levou, ao longo do tempo, à criação de comunidades de uso competentes e redes especializadas de intermediários, tais como as áreas financeira e da agricultura. Estas áreas podem servir de exemplo para a apropriação e uso de dados abertos.

As recomendações do presente guia focam mais as áreas nas quais a disponibilização e uso de dados abertos são ainda menos comuns, dos quais, portanto, são mais úteis as recomendações para a difusão e adoção de inovações a serem apresentadas a seguir. Este guia parte do pressuposto de que o governo também tem a atribuição de promover a difusão de inovações.

A gestão eficaz da abertura de dados governamentais requer compreender como os potenciais usuários se posicionam em relação a essa inovação. Do ponto de vista mais geral, a adoção de uma inovação é um processo em que um indivíduo ou uma organização primeiro toma conhecimento, depois forma sua opinião em relação à inovação, seguida da decisão de adotar, ou rejeitar, e depois implementar e consolidar a adoção por meio da confirmação14.

A decisão de adotar uma inovação é influenciada pelos fatores apresentados no Quadro 2.

Quadro 2: Fatores que influenciam a adoção de inovações

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Fonte: autores

As pessoas e organizações também têm atitudes diferentes quanto à adoção de uma inovação, o que reflete a sua propensão ou aversão ao risco, ao valor percebido e aos recursos disponíveis para a adoção. Distinguem-se como inovadores:

  1. os que assumem o risco de serem pioneiros;
  2. os adotantes, também inovadores, mas mais conservadores, avessos ao risco;
  3. os adotantes mais cautelosos, com uma postura de seguidores
  4. os que são mais céticos e relutam em adotar a inovação, fazendo-o mais por pressão externa, e ainda há
  5. os que se recusam a adotar a inovação.

Essas atitudes também são influenciadas pelo caráter da inovação: inovações radicais que requerem novas competências e tornam obsoletas as existentes representam risco maior do que inovações incrementais, que se constroem sobre conhecimentos e competências existentes.

Pessoas e organizações também avaliam as inovações conforme a sua legitimidade perante a sociedade, o reconhecimento da inovação e a redução do risco na adoção são atributos que favorecem a convergência para soluções similares de referência.

O compartilhamento de informações sobre casos bem-sucedidos de experiências de adoção de dados abertos governamentais contribuirá para o processo de difusão. Espaços para discussão, tais como blogs e fóruns, como as desenvolvidas pelos governo do Reino Unido e norte-americano16, que apresentam a criação de grupos17 voltados ao auxílio à adoção e à disseminação das inovações, são ações que podem ser adotadas pelos órgãos disseminadores. Estes grupos podem auxiliar na divulgação e disseminação das experiências positivas, além de poderem construir manuais e guias para orientar novos casos.

Na medida em que o promotor da difusão da inovação conhece a posição dos potenciais adotadores quanto a esses fatores, ele terá melhores condições de definir um processo de difusão eficaz. Recomenda-se, portanto, um diagnóstico prévio da comunidade de usuários potenciais, com possível segmentação em grupos homogêneos, para priorização e forma de tratamento.

Implicará em maior velocidade de adoção e menor resistência à inovação (de dados abertos governamentais) que representar uma continuidade em relação a dados para os quais já há uma comunidade consolidada e que desenvolveu uma cultura de uso. O mesmo valerá para dados que têm uma semântica mais simples e bem definida, como dados (estatísticos) que já são desenhados e produzidos com o objetivo de divulgação. Dados abertos governamentais que dependem de adoção coletiva (como, por exemplo, dados cuja utilidade depende da coprodução com a comunidade) terão um processo de adoção mais lento.

Por outro lado, dados que são subprodutos de processos administrativos internos do governo têm uma semântica mais complexa, já que, para serem interpretados corretamente, requerem que o usuário tenha uma compreensão desses processos.

A dinâmica natural da administração pública implica em mudanças frequentes dos processos e, em consequência, também dos dados, o que ainda pode dificultar a interpretação de séries históricas desses dados. Portanto, a manutenção dos metadados e o serviço permanente de orientação aos usuários representam um desafio importante para o fornecedor/publicador dos dados e podem implicar na eventual necessidade de tratamento adicional deles para publicação.

Por essa razão, para órgãos que não tenham condições de criar um serviço mais estruturado de apoio aos usuários, respeitadas as imposições legais, será mais fácil iniciar com a abertura de dados de semântica simples, ou para os quais já exista uma tradição de uso e com soluções institucionalizadas, ou então com dados cuja importância para os usuários seja suficientemente grande para que eles se estruturem diretamente ou por meio de intermediários para viabilizar o uso.

Barreiras de entrada, tanto para o publicador como para o usuário, são também representadas pela percepção de requisitos de competências e esforço adicionais, além de recursos técnicos necessários para a implementação, o que indica a importância do papel indutor do governo no processo.

Uma cadeia efetiva de intermediários externos pode diminuir muito essa barreira e servir como importante agente promotor da adoção, pela maior proximidade com os usuários e capacidade de fornecer informações mais adequadas às suas necessidades, bem como fornecer retroalimentação aos produtores.

Essa proximidade pode ser auxiliada pela disponibilização de ações como ferramentas que permitam aos intermediários e usuários solicitar novas bases de dados ou enviar comentários e dúvidas sobre as bases já publicadas, como as ferramentas de “Data Request”18, além de realizar eventos com os grupos de interessados no assunto19.

Um modo de capturar estas solicitações é oferecer um endereço de correio eletrônico ou outro meio de contato que seja claramente disponibilizado junto aos dados já publicados, com o convite para retroalimentação. É essencial que estes canais de comunicação, incluindo as mídias sociais, sejam monitorados ativamente para assegurar a resposta às solicitações à medida que elas forem recebidas.

3.2 O processo de adoção

A decisão individual ou organizacional de adotar a inovação também ocorre em estágios nos quais o promotor da inovação tem o seu papel, conforme ilustrado na Figura 3.

Figura 3: Estágios para adoção de inovações

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Fonte: adaptado de Rogers, E (op cit.)

Nos estágios iniciais, o adotador (individual ou organização) forma uma opinião (ainda não bem fundamentada) sobre a inovação e sua utilidade, com a qual decidirá continuar ou não o envolvimento. Na adoção voluntária de inovações, que é o caso de dados abertos governamentais, o promotor da difusão da inovação não poderá ter mais do que o papel de orientador do processo. O adotador formará a sua própria imagem da inovação e decidirá sobre a sua forma de apropriação, que poderá ser diferente da prevista pelo publicador dos dados, e poderá não fazer uso pleno (e até inadequado) deles.

O adotador dependerá das informações e suporte recebidos do produtor, da cadeia de intermediários ou da comunidade de usuários, o que mostra a necessidade de uma postura proativa do produtor na articulação das atividades.

Esse processo só poderá ser considerado concluído com êxito quando a inovação não for mais objeto de atenção especial (a não ser quando falhar) e quando tiverem sido consolidadas as mudanças provocadas no ambiente do usuário e incorporadas às suas práticas rotineiras. No caso de dados abertos, isso pode ser representado pela consolidação da cadeia de intermediários e criação de tradição no uso dos dados na sociedade.

Assegurar a continuidade de uso será um desafio permanente; o usuário avaliará discrepâncias entre suas expectativas e a experiência de uso, os investimentos realizados na adoção e os hábitos criados, o que demonstra a importância da qualidade do serviço prestado pelo publicador e do suporte ao usuário.

A familiaridade crescente com dados abertos governamentais estimulará o usuário a empreender usos cada vez mais avançados e críticos para a continuidade dos seus negócios, com expectativas crescentes quanto à abrangência, disponibilidade e qualidade dos dados. Cria-se então para o órgão público o desafio de evolução contínua da maturidade na prestação dos serviços de entrega e suporte, e gestão da cadeia de produtores e intermediários.

A apropriação de dados abertos governamentais pode ser vista como uma cadeia causal entre os fatores viabilizadores (recursos) e os impactos (valores gerados), mediada por mecanismos de inovação. Entre os fatores viabilizadores, além dos recursos técnicos do produtor, merece menção especial, neste guia, a capacitação de absorção de dados abertos governamentais (organizacional e técnica) dos usuários e intermediários potenciais, em que os órgãos públicos produtores ou agências oficiais de fomento têm um papel importante.

Os mecanismos de inovação mediadores da apropriação (geração e implementação de inovações, difusão e mobilização) são necessariamente compartilhados entre produtor, intermediários e usuários.

Neste processo de viabilização, implementação e realização dos benefícios, o papel de liderança cabe essencialmente ao poder público:

  • de um lado, oferecendo os recursos necessários: os dados abertos governamentais em si, as condições de uso, como licenças abertas para acesso, uso e compartilhamento , informações sobre os dados, infraestrutura de acesso, competências e gestão;
  • por outro lado, criando “fatores de conversão” favoráveis por meio do estímulo aos mecanismos de inovação de uso dos dados abertos governamentais: geração de ideias, conversão das ideias em produtos e serviços e difusão das inovações.

Em síntese, tendo acesso aos dados e recursos para uso e estando capacitado para avaliar a sua utilidade, o usuário terá a liberdade de tomar a decisão qualificada quanto à adoção, conforme ilustrado na Figura 4 abaixo.

Figura 4: Cadeia de eventos para decisão de adoção de inovação

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Fonte: adaptado de Sen, 2000

Esta cadeia não fica completa sem as atividades de avaliação, para evidenciar os ganhos sociais e econômicos que servem de retroalimentação e estímulo ao processo.

Em resumo, é importante notar que a efetividade das iniciativas de dados abertos governamentais é de natureza sistêmica e depende, em larga escala, de capacitação e atitudes na rede de intermediários e dos próprios usuários. Com isso fica mais evidente que a efetiva difusão de dados abertos governamentais requer contínua articulação do produtor/publicador com a cadeia de intermediários e usuários.

Inovações de natureza incremental podem ser identificadas por meio da consulta a usuários e da observação de tendências, enquanto as radicais (também chamadas de ruptura) dependem de empreendedores mais inovadores que buscam atender as necessidades ainda não reconhecidas pelos usuários. Essas inovações, embora tenham inicialmente um mercado menor, podem gerar vantagens competitivas maiores e mais duradouras.

Embora as inovações mais visíveis de uso de dados abertos governamentais sejam as de criação de novos produto e serviços, há ainda as de criação de novos processos, negócios e de gestão do próprio governo.

Textos clássicos sobre o tema inovação ajudam na compreensão dos conceitos, identificação de oportunidades e orientação para a implementação. Alguns exemplos:

  • FINEP, Manual de Oslo, Diretrizes para Coleta e Interpretação de Dados sobre Inovação, 3ª. edição, 1997, disponível em http://www.finep.gov.br/images/apoio-e-financiamento/manualoslo.pdf
  • Christensen, C., O Dilema da Inovação – Quando as novas tecnologias levam empresas ao fracasso, M.Books, 2012.

Entre as instituições de apoio à inovação e empreendedorismo, podem ser citadas:

  • Unidade de Inovação da Subsecretaria de Parcerias e Inovação da Secretaria de Governo do Estado de São Paulo, que criou a Rede Paulista de Inovação em Governo (igovsp.net) e opera o programa SPUK com o apoio do Governo do Reino Unido;
  • CEWEB – Centro de Estudos sobre Tecnologias Web – do NIC.br (ceweb.br);
  • SEBRAE (www.sebrae.com.br);
  • FINEP (www.finep.gov.br);
  • Nesta (www.nesta.org.uk);
  • As Business Lounges do programa Apps for Europe (www.appsforeurope.eu).

Pesquisa internacional do Open Data Institute 21indica que a maior parte das empresas de dados abertos é nova (tem menos de 10 anos de existência e emprega menos de 10 pessoas), embora também haja empresas de grande porte que geram negócios importantes baseados em dados abertos. Com isso, fica mais evidente a relação da difusão de dados abertos governamentais com a promoção de empreendedorismo, como políticas públicas que estimulem a participação de empreendedores individuais e de empresas nascentes (“start-ups”) no segmento.

Há um grande número de instituições nacionais e internacionais que se especializaram em desenvolvimento dos ecossistemas de dados abertos e que podem ser engajadas pelos promotores da difusão dos seus dados abertos governamentais. Entre as não governamentais mais ativas, podem-se citar:

  • o Open Data Institute – ODI (theodi.org),
  • a Open Data Foundation (www.opendatafoundation.org), no Reino Unido,
  • a Open Data 500 (www.opendata500.com),
  • o Center for Technology in Government – CTG (www.ctg.albany.edu), nos EUA.

Entre as governamentais, destacam-se:

  • o Portal Brasileiro de Dados Abertos (dados.gov.br),
  • o Governo Aberto SP (http://www.governoaberto.sp.gov.br/),
  • o Portal de dados abertos do Reino Unido (data.gov.uk),
  • o programa Joinup, da União Europeia (https://joinup.ec.europa.eu/),
  • o programa de dados abertos dos EUA (https://www.data.gov/ ).

Estes exemplos têm gerado conhecimentos e práticas úteis, para o que contribui, além dos empreendedores, toda uma cadeia de apoio especializado, formada por incubadoras e outras instituições de suporte, investidores, consultores, promotores etc.