4. Gestão do engajamento de usuários e intermediários

Ainda que, por princípio, o acesso aos dados abertos governamentais deva ser livre e sem necessidade de identificação do usuário, haverá pontos de contato do publicador com seus usuários, seja através de centros de apoio, atividades de promoção, pesquisas e de informações de terceiros, seja provendo informações e oportunidades de interação que permitem a melhoria da prestação de serviço e fornecimento de retroalimentação para os processos do publicador, mesmo sem a individualização dos usuários.

Do ponto de vista conceitual mais geral, a orientação para a gestão dessas atividades pelas empresas tem sido estudada sob a sigla CRM, significando Customer Relationship Management, ou a sua contraparte para a administração pública (Citizen Relationship Management), que podem fornecer orientações úteis para esta interação.

CRM refere-se às práticas, estratégias e tecnologias que as organizações usam para gerenciar e analisar interações com clientes (usuários) por meio dos diferentes canais e ao longo do ciclo de vida do seu relacionamento. Portanto CRM, nas duas versões, visa estabelecer relações de trabalho, compreender e atender, de modo mais efetivo, as necessidades dos usuários. Essa abordagem implica necessariamente na integração dos processos da cadeia (interna e externamente ao órgão publicador) para atender as demandas do relacionamento.

Entre essas, está o desenho da iniciativa a partir da “experiência do usuário”, o que inclui:

  • a consideração do “ciclo de vida” completo dos dados abertos governamentais e do seu valor para o “negócio” do usuário, e não apenas o momento da entrega dos dados;
  • o reconhecimento da existência de segmentos de usuários com necessidades específicas;
  • a formalização e avaliação dos processos de relacionamento, entre outros;
  • as atividades proativas, como consulta pública.

Para que essa iniciativa seja sustentável, é importante considerar os seus custos de operação e a viabilidade organizacional na definição do nível da atividade.

4.1 Redes de intermediários

As oportunidades de agregação de valor e modelos de negócios para intermediários foram apresentadas em seção anterior deste guia. Apresentam-se a seguir considerações sobre o relacionamento entre o produtor/publicador e os agentes da rede de intermediários.

4.1.1 Canais de comunicação

Ainda que dados abertos governamentais tenham por objetivo permitir a autonomia dos usuários, será sempre necessário disponibilizar canais de comunicação para suporte, avaliação e promoção do uso que podem ser operados pelo publicador ou por agentes da rede de intermediários.

O atendimento presencial e/ou eletrônico dos Serviços de Informação ao Cidadão, prescrito no Art. 7º, item I, do Decreto Estadual 58.052 de 16/5/2012, permite atender a comunidade em geral, mas o atendimento mais individualizado pode ser necessário para o relacionamento com usuários do próprio governo, parceiros da cadeia de intermediários e usuários institucionais, com necessidades específicas complexas.

Este relacionamento é tanto mais importante, quanto maior for a criticidade dos dados abertos governamentais para a aplicação e o seu valor estratégico para a sociedade.

Ao aceitar usos desta natureza dos seus dados abertos governamentais, o órgão assume implicitamente essas responsabilidades (diretamente ou através de terceiros).

A interação dos usuários de dados abertos governamentais entre si, com o governo e com a cadeia de intermediários passa crescentemente pelas mídias sociais. O monitoramento e uso sistemático destes canais para comunicação e informação sobre o mercado tornam-se então elemento importante para a efetividade das iniciativas de dados abertos governamentais.

Deve ser feito o monitoramento dos canais de comunicação considerando-se o público e o objetivo de cada canal, como por exemplo o canal de comunicação com os usuários existentes e os potenciais novos usuários. O monitoramento então deve atentar-se para a verificação da efetividade dos canais e da necessidades de ajustes ou do desenvolvimento de novos canais, para o que usuários possam oferecer contribuições importantes. Este monitoramento deve ser distinto do acompanhamento da comunicação operacional com os usuários.

O acesso às informações dessas fontes permite o uso de técnicas conhecidas como “Business Intelligence” e “Big Data”, que permitem obter informações sobre padrões de uso e perfis de usuários, contribuindo para uma gestão mais efetiva dos relacionamentos.

4.1.2 Relacionamentos na rede de intermediários

O envolvimento dos usuários nos processos de dados abertos governamentais pode evoluir, como resultado de decisão estratégica do fornecedor ou pressão dos usuários, de acordo com os seguintes estágios:

  • uso de dados abertos governamentais;
  • participação na melhoria dos dados;
  • cocriação de dados;
  • cogestão do processo;
  • dependência mútua entre fornecedor e usuário.

O posicionamento do fornecedor nesta escala tem implicações importantes para as escolhas quanto aos processos de gestão que talvez estejam entre as decisões mais importantes do fornecedor/publicador de dados abertos governamentais.

Quanto à forma de tratar as solicitações dos usuários e parceiros externos, o fornecedor também pode adotar estratégias de proatividade crescente.

A legislação (Lei Nº 12.527 de 18/11/2011 – LAI, regulamentada no Estado de São Paulo pelo Decreto Estadual nº 58.052 de 16/5/2012) já impõe aos órgãos a organização dos serviços de acesso e as condições de atendimento aos usuários.

Do ponto de vista gerencial, este pode ser:

  1. reativo e gerenciado: a análise sistemática do histórico de solicitações levou à definição de procedimentos consistentes que permitem atender solicitações rapidamente e com eficiência (ganhos de escala);
  2. proativo e otimizado: a aprendizagem a partir do estudo de padrões de solicitações passadas permitiu o diagnóstico de causas de incidentes, definição de padrões de níveis de serviço, prevenção e antecipação de volumes de demanda, análise de cenários “se-então” e otimização de processos.

A evolução ao longo desses estágios pode ser alcançada pela análise dos dados internos históricos de atendimento, focando os ganhos de eficiência e as condições internas de operação do fornecedor/publicador de dados abertos governamentais.

Ganhos maiores de eficácia e impacto na rede de dados abertos, porém, só poderão ser alcançados por meio do estabelecimento de relacionamentos externos formais com os parceiros, o que leva aos estágios seguintes de caráter mais inovador:

  1. Serviço - envolver-se com usuários para conhecer necessidades e formas de uso dos dados abertos governamentais:
    1. construir cenários;
    2. estabelecer relacionamentos externos com influência recíproca, levando a alterar processos internos e a novas formas de atender os usuários e parceiros para aumentar a eficácia dos serviços; isso permite melhor antecipação de demandas;
    3. no setor privado, este nível pode estar associado à busca de competitividade pela diferenciação.
  2. Valor - a maior cooperação e integração de processos entre o fornecedor/publicador e os parceiros permite:
    1. identificar novas possibilidades de serviços para a geração de valor para ambos;
    2. alinhar os negócios, levando a nova arquitetura da prestação dos serviços (ganhos de efetividade\benefícios para a cadeia e a sociedade);
    3. perceber como, no setor privado, este nível está associado à busca de mudança de paradigmas do negócio.

Essas iniciativas, de natureza proativa, estão alinhadas com as diretrizes da Lei de Acesso à Informação (Lei Nº 12.527 de 18/11/2011), que, no seu Art. 3º, prescreve a divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações, e o fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública.

4.1.3 Comunidades de prática para dados abertos governamentais

Comunidades de prática são arranjos formais ou informais de participação, preferencialmente voluntária, que dependem da existência de membros engajados e praticantes em discussões e atividades conjuntas sobre um domínio de interesses compartilhados22, neste caso, referentes ao uso de dados abertos de um órgão específico.

Comunidades de prática têm-se mostrado uma forma de organização eficaz para aprendizagem organizacional e colaboração, como, por exemplo, o desenvolvimento e manutenção de software livre. Os membros podem ter diferentes níveis de participação:

  1. participação ativa nas atividades (usualmente de 10 a 15% dos membros);
  2. participação ocasional nas atividades (de 15 a 20%);
  3. participação periférica, o restante dos membros se limita a ler mensagens, raramente postando questões.

Essas comunidades podem surgir espontaneamente, mas também podem ser promovidas pelo órgão público, tanto para a geração de conhecimento, como para a sua difusão e, sobretudo, para suporte aos usuários pelos seus pares.

Iniciativas governamentais em nível nacional, como os recursos de interação do Digital Government, dos EUA 23, do Data.Gov.UK, do Reino Unido 24 , estimulam a criação de comunidades de prática ao redor dos seus dados abertos.

Essas iniciativas atendem ao disposto na legislação que instituiu a Política de Gestão do Conhecimento e Inovação, que determina o desenvolvimento de cultura colaborativa e inovadora entre governo e sociedade 25.

Exemplos da contribuição de dados abertos para a geração de conhecimento e inovação na sociedade são apresentados em Agune et alii, 2010, Gurin e outros 26.

4.2 Confiança na cadeia de dados abertos governamentais

Para o uso efetivo dos dados abertos governamentais, é importante a confiança que o usuário deposita no fornecedor (produtor, diretamente ou por meio da cadeia de intermediários). O produtor/publicador de dados abertos governamentais, como um elo-chave na cadeia, tem um papel importante na manutenção desta atitude entre os múltiplos parceiros.

Para poder confiar, o usuário pressupõe que o fornecedor:

  1. aja em benefício do usuário (benevolência);
  2. seja capaz de realizar a tarefa (competência);
  3. aja de acordo com um conjunto de princípios aceitáveis (integridade);
  4. realmente vá realizar as atividades de acordo com o previsto (previsibilidade).

A manutenção desses atributos no fornecimento de dados abertos governamentais e serviços de suporte ao longo de transições administrativas, mudanças de processos e prioridades de gestão é um desafio permanente para a manutenção da confiabilidade no produtor/publicador de dados abertos governamentais.

A legislação vigente (Art.6º da LAI e Art. 4º do Decreto Estadual) já estabelece as condições básicas para essa confiança, ao requerer do órgão público a gestão transparente, disponibilidade, autenticidade e integridade dos dados, bem como a proteção de dados sigilosos e pessoais.

No caso de o usuário acessar os dados abertos governamentais por meio de uma cadeia de intermediários, esta confiança pode ser aumentada ou comprometida pela confiabilidade dos agentes envolvidos na transmissão e tratamento dos dados, especialmente do publicador final, uma vez que os usuários só terão condições de avaliar, de modo indireto, a qualidade dos dados e serviços do produtor original. Uma das funções importantes da curadoria do publicador de dados abertos governamentais será então contribuir para manter um ambiente de confiança com os usuários e na rede de intermediários. Avaliações por parte de agentes externos também podem contribuir para este fim.

Para que os usuários dos dados, internos ao próprio governo ou externos, possam incorporar os dados publicados como recursos valiosos em suas atividades, os publicadores de dados devem realizar ações que fortaleçam a confiança dos usuários dos dados e que garantam que a publicação destes dados ocorrerá de forma contínua e previsível. Isso pode ser alcançado com a publicação de um conjunto de padrões e regras a ser observado pela entidade para a publicação das bases, a qualquer momento. Essa publicação deverá conter itens, como:

  1. conjunto de procedimentos adotados para a divulgação das bases,
  2. identificação de dados prioritários e planejamento de abertura dos dados,
  3. estrutura de governança dos dados publicados e periodicidade de atualização,
  4. critério para definição de dados a serem divulgados;
  5. definição de canais e procedimentos para comunicação com os responsáveis pelos dados publicados;
  6. divulgação de problemas identificados, corrigidos, ou melhorias realizadas.

O Guia de Dados Abertos27 e o Guia Web Semântica28 descrevem e detalham formatos e padrões para a escolha e publicação de dados e metadados das bases de dados administradas pelo governo. Esses guias são fontes de consulta relevantes para o publicador de dados desenvolver os itens destacados acima.